Compreender o sacramento do matrimônio

24/05/2019

Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. (Jo 15,16)

No início do rito do matrimônio aos noivos são dirigidas duas perguntas muito importantes que são como a porta de entrada para o próprio rito. A primeira é sobre a fidelidade reciprocamente prometida por toda a vida pelos noivos. A segunda é sobre a disponibilidade a acolher os filhos que Deus confiar. Isto porque os noivos se apresentam juntos diante da Igreja pedindo de receber algo que é de Cristo (o sacramento), aceitando as condições que Ele estabeleceu.

A primeira pergunta é devida à INDISSOLUBILIDADE do matrimônio: os noivos prometem de honrar um vínculo que o próprio Cristo não vai desfazer. A segunda pergunta é devida à FECUNDIDADE do matrimônio: os noivos prometem de permanecer abertos ao dom/faculdade da procriação que foi pensada pelo próprio Deus exclusivamente dentro do relacionamento conjugal.

Somente quando os noivos declaram o próprio "sim", com coração sincero, a estas duas propriedades do matrimônio, esse sacramento vai ser concedido por Cristo através da Igreja. Caso contrário, não será, e por esse motivo, a Igreja, após uma devida investigação mediante um processo canônico, pode declarar a nulidade de um matrimônio porque celebrado sem as condições necessárias para sua validade.

Ou seja, se uma pessoa, mesmo casando na Igreja, tivesse a intenção de não garantir sua fidelidade até o fim, mas por um tempo, até que convém de acordo com determinados critérios, então aquele matrimônio é nulo, a pessoa não recebeu o sacramento, pois Cristo conhece desde sempre o coração de cada um. Da mesma forma, se alguém, casando na Igreja, guardasse dentro de si a intenção de não ter filhos por alguma razão, igualmente não vai receber o sacramento.

Agora, a fidelidade por toda a vida pode ser algo mais fácil de compreender e aceitar, ainda que isso, na realidade, seja cada vez mais recusado, e tornou-se o motivo principal para um casal não procurar o sacramento do matrimônio, para simplesmente conviver, ou casar só no civil, estabelecendo um contrato que inclui sempre a opção do divórcio, a segunda propriedade do matrimônio está se tornando hoje algo de estranho como nunca no passado.

Até poucas décadas atrás a geração dos filhos sempre foi uma realidade completamente natural nas pessoas que desejam um relacionamento e que resolvem conviver e casar. Aliás, o desejo de ter filhos sempre foi umas das razões que incentivava as pessoas a casar e a escolher este estado de vida. Já não é mais assim, ou, ao menos, já muitas pessoas não sentem mais o vivo desejo de ter filhos e passam a enxergar o relacionamento conjugal apenas como uma relação entre duas pessoas, um novo tipo de opção de vida.

Isto se pode muito bem deduzir da forte diminuição da natalidade em alguns países já há várias décadas. Uma diminuição que vai muito além de uma razoável busca de adequadas condições de vida para si e para a própria família. Para um determinado modelo cultural do Ocidente, a vida alheia passou a ser, mais um problema do que um recurso. Exatamente o contrário de quanto acontece na "normalidade" das civilizações. Aliás, quanto mais são precárias as condições de vida tanto mais a geração de filhos é colocada no centro, sendo valorizada e até sacralizada. A vida, pode-se dizer, busca se autopreservar, muito além da dinâmica de vida dos indivíduos, colocando nas pessoas um apreço e uma disponibilidade para a maternidade e paternidade que ultrapassa qualquer tipo de dificuldade e desafia qualquer tipo de ameaça existente.

No nosso mundo Ocidental, ao invés, o próprio sentido da vida está sendo perdido e obscurecido. Busca-se uma autopreservação do próprio indivíduo, fechado em si mesmo, dentro do seu próprio padrão de bem-estar, de uma forma tão forte que não há mais importância alguma tudo aquilo que está para fora de si. A vida tornou-se puro intervalo existencial valorizado por aquilo que é possível possuir e consumir. Nada mais. Esta visão presente e atuante no subconsciente de milhões e milhões de pessoas, molda o perfil perfeito do consumidor, cuja receita garante sozinho o orçamento da economia mundial, deixando os outros bilhões de habitantes do planeta numa condição de insignificância, que existam ou não é indiferente.

É este tipo de contexto sociocultural que pode explicar o surgimento da contestação sobre a segunda propriedade do matrimônio, a fecundidade. Somos cada vez mais levados a interpretar a vida em sentido individual. Somos levados a valorizar na nossa vida apenas as coisas que nos trazem gratificação imediata e que não ameaçam nosso equilíbrio e nossa zona de conforto. Pelo contrário, enxergamos com muita desconfiança qualquer realidade que pede algo de nós, que quer nos comprometer, que parece nos limitar nas nossas liberdades, ambições, possibilidades e vontades.

O próprio relacionamento conjugal passou a ser considerado com desconfiança, pois hoje em dia o ideal de vida está mais em sintonia com o estado de solteiro do que de casado. Agora, também a condição de mãe e pai está sofrendo uma profunda erosão de sentido. Enxerga-se nela, antes de tudo, a perda de muitas oportunidades para assumir o fardo pesado de um novo ser que nasceu num mundo hostil e complexo.

Não se valoriza mais a capacidade de doação de si mesmos. Nesta doação não se encontra mais o sentido do viver. Afundamos na ilusão que, ao invés, o sentido do viver estaria no conseguir tudo para si. Trágica ilusão que mata a vida à raiz, deixando as pessoas totalmente aprisionadas em si mesmas.

Voltando ao sacramento do matrimônio, ele tem exatamente a função de testemunhar que o sentido da vida do ser humano está sempre na sua autodoação, na capacidade de sair para fora de si mesmo, de entregar-se totalmente a uma vida que vai muito além dos seus confins individuais. O sentido da vida está na dinâmica de doação sem limites que o amor permite e demanda. De forma natural o amor "exige" a um casal que se ama que este amor se torne pessoa real nas pessoas dos filhos. Isto porque o ser humano é feito a imagem de Deus, um Deus que é Mistério Trinitário, uma geração continua e eterna do outro, uma doação de si sem limites. Este é o verdadeiro molde com o qual o ser humano foi feito.

Por isso a fecundidade é propriedade do matrimônio, porque é a identidade humana verdadeira que requer isso. O ser humano é feito para gerar vida. Não de forma mecânica, não apenas para uma autopreservação no tempo, mas para expressar sua íntima natureza, para realizar o amor. O amor sempre é fecundo, sempre gera. Jamais é estéril. Dentro dessa lógica, a disponibilidade para a geração biológica dos filhos é um testemunho essencial, é um elemento antropologicamente necessário para que o casal viva realmente a essência do amor. O indispensável não é ter filhos de fato, mas ter um coração realmente aberto a eles, um coração totalmente disposto a si doar para a família, um coração que deseja transformar-se em coração de esposo, ou esposa, de pai, ou de mãe.

É este tipo de vontade que abre o casal e o torna hábil a receber o sacramento, isto é a graça necessária para realizar a doação da própria vida. Afinal o sacramento é dado para capacitar o casal a se doar, é dada a dois solteiros para que eles consigam se transformar em esposos, em pessoas casadas, em pais e mães, em avós, em "pedras vidas de um edifício espiritual" que é a Igreja. Não faz sentido querer o sacramento (e com ele todos os outros sacramentos) se falta esta vontade de autodoação de si sem limites.

No sacramento do matrimônio, em particular, esta autodoação total de si mesmos, não fica confinada dentro das paredes de casa, mas deve transbordar o próprio casal. Casar significa assumir uma missão por conta de Cristo. Significa acolher a presença real de Jesus para que a "uma só carne" do casal seja eucaristia viva, continuamente exposta diante do mundo, para que o casal seja o amor derramado para a vida de muitos, não apenas dos filhos biológicos, mas de uma multidão que recebe aquela graça que diante da Igreja se comprometeram a receber para que seja doada.

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