A tragédia do integrismo

27/08/2018

Quando temos um problema a primeira reação é chamar de inimigos aqueles que começam a nos criticar e a se oporem ao nosso agir. Isto porque tendemos a considerar bom apenas aquilo que é conforme ao nosso entendimento.

Dessa forma, cada um que não corresponde ao nosso modo de entender as coisas se torna automaticamente nosso inimigo e tudo aquilo que nos representa ele e o mundo dele, se torna, por definição, negativo.

Progressivamente, estaremos cada vez mais inclinados a considerar verdadeiro e bom exclusivamente aquilo que confirma nosso mundo, enquanto, tudo aquilo que aparece contestar nossa identidade, se torna necessariamente falso e ruim.

Este curto-circuito interior faz de nós pessoas autorrefenciais, ou seja, pessoas totalmente fechadas em si, incapazes de perceber a verdade que está no outro, inclusive o "outro" por excelência que é Deus.

Afinal, chegaremos a concluir que aquele problema inicial que tínhamos, na realidade não é nosso, mas é totalmente devido ao outro, que é diferente de nós e não concorda conosco. O problema, afinal está exatamente no outro, simplesmente pelo fato que sua existência é uma negação da nossa própria identidade.

No fundo, aquele problema que tínhamos, estava nos questionando profundamente, mas, no lugar de nos reconhecer errados diante do outro que parecia nos condenar, chegamos ao ponto de preferir mudar nossa própria identidade, assumindo mesmo aquele problema que escondemos como nossa nova essência, que por isso mesmo, é inquestionável.

Aquilo que para nós é uma fidelidade absoluta a nós mesmos, na realidade não passa de uma sutil manipulação de tudo aquilo que identificamos como verdade. E cada vez que uma contestação nos atinge, mais uma manipulação estaremos realizando às escondidas, para poder declarar, com a máxima certeza, que o mentiroso é exatamente aquele que está nos contestando.

À base desta manipulação, que podemos chamar de 'auto traição' de si está, paradoxalmente, uma falta de identificação. Enquanto por fora defendemos com extrema precisão e dureza nossa identidade, por dentro, bem no profundo, está guardada uma dúvida mortal sobre nós mesmos, uma dúvida que, definitivamente, decidimos de ocultar.

Esta dúvida tem a ver com nossa própria identidade diante de Deus e é provocada pelo medo de não sermos realmente aceitos por Deus, de não sermos amados por Ele, mas isto por causa da nossa própria rejeição. Somos nós a apontar o dedo contra nós. É pelo mal que deixamos entrar em nossa vida que fazemos de nós os nossos verdadeiros inimigos.

No lugar de abraçar nossa situação real de traidores envolvidos na misericórdia, abraçamos a ilusão de sermos adeptos da pura e imutável verdade, e isto através da sistemática separação de todos aqueles que não fazem nossa mesma opção. Rejeitamos nossa condição de pecadores rejeitando os outros, transferimos nos outros a íntima rejeição de nós mesmos, a rejeição daquela condição de traidores do amor que continuamente nos ameaça.

No âmbito religioso, quando decidimos recusar esta nossa situação de pecadores, quando não conseguimos dar o passo decisivo da confiança radical no amor criativo de Deus, capaz de ir além das nossas fraquezas, quando não estamos dispostos a nos perdoar e a rebaixar nosso orgulho à humilde condição de criatura perdoada, quando tudo isso acontecer, ali a tragédia do integrismo vai ter início.

Tanto no cristianismo, como em todas as religiões, o integrismo transforma a crença em Deus num projeto de auto proteção realizado através da negação radical do diferente. Para além da raiz religiosa, sua única preocupação é blindar sua própria identidade, usando qualquer tipo de meio possível para eliminar as ameaças externas, até a eliminação física dos outros.


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